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Afinal, teve quilombo na Amazônia?

  • historia na rede
  • 21 de nov. de 2019
  • 5 min de leitura

Em comemoração ao último dia 20, ontem, mais conhecido como "Dia da Consciência Negra", preparamos uma postagem especial para o site, em que se falará sobre algo que, provavelmente, muitas pessoas não sabem; a existência de quilombos na Amazônia!


Através da Lei nº 12.519 de 10 de novembro de 2011, oficialmente nomeava-se o dia 20 de novembro como o "Dia da Consciência Negra". É comum aprendermos na escola que esta data se refere ao assassinato do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi. Estuda-se a história de resistência desse famoso agrupamento, sua organização e como foi destruído. Porém, os quilombos não se restringiam apenas ao nordeste brasileiro e, para quem vive e estuda no norte do Brasil, é importante saber que também existiram quilombos nesta região. Estes agrupamentos são chamados mocambos e, dentre eles, os mais famosos se estabeleceram ao longo do rio Trombetas.

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Fonte: SALLES (1971)


Breve Histórico

Antes de falar propriamente destes mocambos é bom conhecer um pouco o rio Trombetas geograficamente. Ele é um dos afluentes do rio Amazonas, localizado na região noroeste do Pará (próximo a Óbidos e Oriximiná), é bastante extenso e contém uma importante atividade mineradora da bauxita. Essa região, tanto nos séculos XVIII e XIX quanto na atualidade, não foi muito explorada e é conhecida por ser de difícil acesso e possuir áreas e encachoeiradas

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Fonte: retirado do blog nióbio minério brasileiro. Disponível em http://niobiomineriobrasileiro.blogspot.com/2016/11/minerio-bauxita-aluminio-e-os-crimes_3.html


Estes mocambos são os mais documentados da região do Pará e foram caracterizados como um refúgio e símbolo de liberdade para os escravos que ugiam das fazendas de Óbidos e Santarém. Os primeiros relatos da formação destas estruturas datam do século XIX e foram realizados através de crônicas de viagem, uma espécie de relato feito por naturalistas, missionários e funcionários governamentais. Para além destes documentos, também se utiliza a memória oral, transmitida por gerações, dos remanescentes de mocambos que ainda habitam a região atualmente. As primeiras notícias de mocambos já são comprovadas em um registro de 1812 que enviava uma expedição comandada por Bernardo Martinho de Vasconcelos para destruir dois mocambos próximos ao rio Curuá: Inferno e Cipotema. Apesar do ataque, os sobreviventes sempre se reorganizavam e os mocambos ressurgiam “como uma fênix renascendo das próprias cinzas”, como declara José Alípio Goulart.

Em 1821, um escravo chamado Atanásio foge com mais alguns companheiros e, juntamente com os sobreviventes do Inferno e Cipotema, organizam um mocambo no rio Trombetas (que talvez tenha sido o primeiro instalado neste rio). Estimasse que esta estrutura teria uma população de mais de duas mil antes de ser destruída, em 1823, pela expedição organizada por Francisco Rodrigues Vieira. Atanásio foi preso durante esta empreitada, mas escapou e reorganizou outro mocambo.

Nos anos que se seguem, esses negros aquilombados conseguem viver uma relativa paz. Realizavam atividades comerciais com os moradores de Óbidos e tinham importância para dinâmica econômica desta região. Para aqueles que beneficiam deste comércio, os negros aquilombados não representavam uma real ameaça, porém, com o crescimento das fugas escravas, os proprietários em prejuízo pressionam e exigem medidas que serão colocadas sobre as vilas próximas a esses mocambos. Sendo assim, em 1827, Santarém, Óbidos e Alenquer mobilizaram duas expedições ao Trombetas. Como já se espera, ambas não foram um total sucesso, mas destruíram agrupamentos no rio Curuá.

As fugas se intensificam cada vez mais no decorrer do século XVIII devido a problemas na lavoura, a importância crescente das drogas do sertão, expulsão dos missionários e processos revolucionários como a cabanagem. Teria sido nesta época de dificuldades que os negros fugidos subiram ainda mais o rio e fundaram, na décima quinta cachoeira, um núcleo chamado Cidade da Maravilha. Para o autor Vicente Salles, essa poderia ter sido a réplica amazônica do Palmares. O interessante sobre esse núcleo é o fato de ser o mais antigo mocambo mencionado na tradição oral dos moradores atuais do Trombetas.

Foi relatado que esta cidade foi queimada e abandonada pela própria comunidade quando descobriram o avanço de uma expedição punitiva, em 1852. Os negros sobem mais o rio e fundam o mocambo do Campixe. Nessa região, em 1899, viajantes chamados Henry e Otille Coudreau acharam vestígios de habitantes mocambeiros (um forno de mandioca, algumas barracas).

Depois disso, ocorreram diversas outras expedições. O objetivo sempre de dizimar os mocambos ao longo do rio Trombetas, mas nunca os destruindo completamente. Estimasse que isto se seguiu até próximo à abolição da escravatura no Brasil, em 1888. A última expedição que se tem documentada data de 1876, quando destruiram um mocambo no rio Curuá.


Organização dos Quilombos Sobre a organização destes mocambos, existe um texto referencial do autor Tavares Bastos. Este autor fez uma viagem pelo vale amazônico e escreveu um livro publicado em 1937 chamado O Valle do Amazonas. Este autor escreveu que os mocambos do Trombetas tinham uma população além de negros fugidos, contendo criminosos e desertores. Quanto às lideranças locais, eram eletivas e "despóticas" e de acordo com o autor “Imitam nas designações de suas autoridades os nomes que conheceram nas nossas povoações”. Em relação ao sustento, cultivavam mandioca e tabaco e coletavam drogas do sertão, como salsaparrilha, castanha e etc. Os excedentes eram comercializados em vilas, como Óbidos, durante o período noturno, para melhor segurança, e utilizavam a figura do regatão (um tipo de mercador que leva, de barco, navegantes aos povoados). Além de comercio com essas vilas, também o faziam com holandeses da Guiana, trocando seus produtos por outros que não tinham acesso, instrumentos de ferro e armas. A distribuição destes mocambos é outro aspecto organizacional que merece atenção. Diferente do quilombo de Palmares, os amazônicos estavam divididos em pequenos grupos próximos entre si. Esta disposição teria cunho estratégico na medida em que dificultava os mocambeiros de serem surpreendidos por expedições punitivas. Além disso, dificilmente se localizavam próximos a rios principais e procuravam afluentes pouco explorados e encachoeirados.

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Fonte: ANDRADE, Lúcia (1995). Revista de Antropologia da USP. A constante luta: Comunidades quilombolas do rio trombetas Mas por que aprender sobre mocambos amazônicos? Primeiramente para que se rompa o estigma de que no norte brasileiro não houve escravidão negra significativa. Que se rompa a ideia de que a floresta amazônica seria inviável para a constituição destes mocambos, mas principalmente para trazer à tona uma importante discussão: a constante luta das comunidades remanescentes para continuarem existindo. É importante falar que as lutas destes mocambos ainda persistem na atualidade. As comunidades remanescentes, apesar da ocupação local desde a colonização, enfrentam morosidade na titulação de suas terras bem como ameaças vindas da exploração de bauxita, da instalação de madeireiras e construção de hidrelétricas. A Comissão Pró-Índio de São Paulo, juntamente com os quilombolas e indígenas da região, tentam garantir os direitos às terras que ocupam, mas apenas a partir de 1995 que o Incra titulou as primeiras comunidades e ainda em 2018, regiões como as de Ariramba e Alto Trombetas ll ainda estavam aguardando suas regularizações. Uma das maiores ameaças à essas comunidades são as empresas de mineração e a construção de hidroelétricas. Desde 1979, a mineração Rio do Norte extrai bauxita em Oriximiná e tem afetado desde então a comunidade quilombola de Boa Vista (que apesar de titulada em 1995, não recebe respeito algum e teve seu sustento comprometido pela empresa). Desde a década de 80, projetos de produção energética ameaçam o modo de vida dessas comunidades, além de não as consultarem para conscientizar-se dos malefícios que barragens e afins podem trazer.

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Fonte: Imagem retirada do site da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Disponível em: http://cpisp.org.br/quilombolas-em-oriximina/luta-pela-terra/territorios-2/

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Fonte: Imagem retirada do site da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Disponível em: http://cpisp.org.br/quilombolas-em-oriximina/luta-pela-terra/territorios-2/ Escrito por: Melanie Cardaci e Roberta Serrão Editado por: Felipe Saldanha

 
 
 

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