Arqueologia da Amazônia, de Eduardo Góes Neves - Parte 1
- historia na rede
- 14 de out. de 2019
- 5 min de leitura
“[...] conhecer a Amazônia a partir de seus
próprios parâmetros culturais e ecológicos,
para que esse patrimônio não se perca para
sempre.” (NEVES, p. 78)
A proposta da publicação de hoje é trazer conhecimento sobre a Amazônia, a partir do livro de Eduardo Góes Neves: “Arqueologia da Amazônia”[1]. Esta é uma publicação interessante para auxiliar o professor no ensino sobre o território amazônico, que muitas vezes é mal conhecido pelo restante da população brasileira, mas que tem uma grande história.

Em se tratando do meio físico Amazônico, o território – de mais de sete milhões de quilômetros quadrados – aqui abordado, compreende o Amazonas, Rondônia, Amapá, Roraima, Pará, Acre, partes do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, além de partes da Bolívia, Peru, Venezuela, Equador, Colômbia, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. E sua bacia hidrográfica ocupa mais de 40% do território nacional, tendo rios que nascem em três regiões principais: cordilheira dos Andes, Planalto Central e Planalto das Guianas; por conta disso, a coloração das águas podem diferenciar, formando o fenômeno muito conhecido do Encontro das Águas, que se dá por conta da carga de sedimento que cada rio carrega.

Ao contrário do que muita gente pensa, por conta da abundância da cobertura florestal, em geral, o solo amazônico é pouco fértil e isso se deve ao fato da bacia amazônica, com exceção dos Andes, localizar-se em “áreas geologicamente antigas, sujeitas às condições extremas dos climas tropicais.” (NEVES, p. 16). Assim, os solos sofrem exposição às chuvas torrenciais e à evaporação, tornando-se ácidos e com poucos nutrientes (lixiviação). Apesar disso, a floresta consegue se desenvolver por conta do seu eficiente mecanismo de reciclagem dos nutrientes orgânicos que vão ao solo, assim, ela mesma desenvolveu seu sistema de sobrevivência.
A Amazônia não tem só uma imensa biodiversidade, mas também uma imensa sociodiversidade. Ao contrário do senso comum, que acredita que essa região é uma grande área desabitada e inóspita, a Amazônia é um lugar ocupado por humanos há pelo menos 11.000 anos – e esse número pode ser ainda mais antigo, pois os estudos arqueológicos nessa região ainda têm muito que revelar –, com populações organizadas de variadas formas. Portanto, como afirma Neves (2006, p. 22), a diversidade é a chave para o entendimento de sua arqueologia.
Escavações feitas na caverna da Pedra Pintada, localizada no município de Monte Alegre, no Pará, possibilitaram vários indicativos sobre a sociedade pré-colonial daquele espaço. Foi constatado datas ao redor de 9200 a. C., que indicam que os antigos habitantes tinham sua economia baseada na caça de animais de pequeno porte, na coleta e na pesca, demonstrando que essas sociedades buscavam explorar os recursos que a biodiversidade amazônica possibilitava. Outra característica interessante da ocupação amazônica é o fato da região ter sido ocupada antes mesmo do advento da agricultura (aprox. 3000 a. C.) entre os povos que aqui se encontravam; inclusive, a produção ceramista amazônica também surgiu muito antes da agricultura, mas falaremos disso em outra publicação.

A Amazônia nem sempre foi do jeito que vemos hoje, transformações aconteceram junto com as épocas geológicas da Terra. Por volta de 16000 a. C., houve um processo de reaquecimento, assim, por volta de 11000 a. C., os registros indicam que, na Amazônia, houve um “aumento da pluviosidade, do nível dos rios e da sedimentação aluvial.” (2006, p. 29) Ou seja, há indicativo da variação climática e ecológica durante o período geológico do Holoceno, que influenciaram na história da ocupação humana na Amazônia. Duas regiões que demonstram ocupação humana quase contínua são a do baixo rio Amazonas e do alto rio Madeira, por isso o grande número de achados arqueológicos nessas áreas.
Outra característica muito interessante da ocupação da Amazônia e que poucos têm conhecimento sobre, foi o processo de domesticação de espécies de plantas, seja para a alimentação ou outras necessidades. A domesticação se diferencia da agricultura, tendo surgido antes; a domesticação é um processo intencional, de longa duração, de manipulação de espécies selvagens, a fim de destacar características dessas plantas. O maior exemplo desse processo é a mandioca, mas também temos o abacate, batata, feijão, milho, pupunha, tomate e muitas outras. Já a agricultura, aqui é compreendida como o “estabelecimento de um modo de vida totalmente dependente o cultivo de plantas já domesticadas.” (2006, p. 39). Apesar do desenvolvimento da agricultura, os outros modos de aquisição de recursos não foram deixados de lado.

Ao contrário do que normalmente é afirmado, considera-se a hipótese de que o processo de ocupação humana na Amazônia pré-colonial não caracterizou-se de forma regular e cumulativa, pois os momentos de suposta estabilidade social ocorrem de forma oscilante, assim como, as “outras mudanças relativamente bruscas nos padrões de organização social, econômica e política, visíveis no registro arqueológico.” (2006, p. 48). Isso se comprova pelas mudanças climáticas ocorridas em torno do ano 1.000 a. C. e pela existência de artefatos que indicam a ocorrência de contato e conflitos entre diferentes grupos.
Outros indícios dessas modificações são as terras pretas - as mais antigas delas foram encontradas na Ilha de Marajó e na região do alto rio Madeira - que representam muito bem a relação das populações pré-coloniais com a natureza e, segundo Góes Neves, “talvez sejam o melhor indicador de que os ambientes amazônicos foram modificados pelas populações indígenas”. (2006, p. 52). Apesar de possuir uma alta fertilidade, ainda não se sabe o que levou à formação desses solos, mas se propõe que sejam resultados da acumulação de restos orgânicos, descartados pelas aldeias sedentárias.

Desse modo, os arqueólogos levam em conta que essas superfícies seriam áreas de habitação e podem ser vistas também como “um marcador de mudança nas relações sociais e econômicas”(2006, p. 54), isso porque significa que suas sociedades ocupantes eram mais sedentárias já que os elementos encontrados nessas terras decorrem do maior contato e permanência dessas populações nesses solos. Essas áreas também são ricas em vestígios arqueológicos, o autor até afirma que são compostas “por elementos naturais - o próprio solo e seus componentes orgânicos, inclusive restos de alimentos - e culturais - fragmentos de cerâmica e de objetos de pedra lascada e polida”. (2006, p. 54).
Os elementos apresentados até aqui representam o apogeu das sociedades indígenas - que ocorreu no século XI -, mas agora podemos pensar nos impactos desencadeados a partir do século XVI com a colonização. Umas das mais visíveis mudanças é o fato de que atualmente grande parte das populações indígenas estão longe das áreas do rio Amazonas, sendo que são nessas partes onde têm uma maior concentração de sítios arqueológicos, isso porque foram habitadas pelas sociedades antigas. Para a explicação desse fenômeno, considera-se que “muitos dos grupos que viviam nessas áreas à época do descobrimento foram exterminados” (2006, p. 75) pelas guerras, doenças e escravidão.
A obra de Eduardo Góes Neves ainda nos propicia um excelente estudo sobre as tradições ceramistas confeccionadas na Amazônia pré-colonial. As análises dessas cerâmicas são fundamentais para compreendermos melhor as culturas e organizações sociais das populações desse período, mas ficarão para outra postagem, onde abordaremos as análises de Góes Neves e as formas de se utilizar as imagens como suporte didático em sala de aula.
[1] NEVES, Eduardo G. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
Escrito por: Daniele Costa e Ana Rivick
Editado por: Felipe Saldanha



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